27 de set. de 2020

Vida familiar em tempos de crise

 Vida familiar em tempos de crise


Não é surpresa que este tempo de crise mundial de saúde tenha colocado à nossa vida pessoal e familiar um grande desafio.

Vejamos alguns dos aspectos difíceis deste desafio que, paradoxalmente, também traz oportunidades positivas para a vida familiar.


1 Fragilidade


Uma das primeiras experiências é a fragilidade da humanidade.  É como se a nossa existência estivesse num equilíbrio débil e dependente de múltiplos fatores que não podemos dominar ou governar.  Por exemplo, percebemos que a nossa saúde está num equilíbrio muito sensível e que  podemos perdê-la a qualquer momento.  Também a saúde financeira e econômica se tornam instáveis, especialmente quando o emprego se perde ou o salário é drasticamente reduzido, não sabemos por quanto tempo mais.  E as poupanças reservadas para outros fins, têm de ser gastas.  É como estar à mercê de acontecimentos fora do nosso controle.


2 Medo


Outra experiência que nos acompanha é a de sentir medo.  Mas é como um misterioso medo.  É o medo de algo que não vemos e que está à espreita, a rolar pelas nossas cidades, bairros e casas.  Este receio está ligado ao fato de muitas pessoas terem sido infectadas e mortas pelo vírus.  Está também ligada à questão: e se eu contrair a doença do Covid-19 ou alguém da minha família?


3 Impotência


O ser humano que se acreditava o dono absoluto do mundo, colocou o mundo em perigo ao explorá-lo sem limites.  É como se o homem arrogante se tivesse tornado uma ameaça para si próprio.  E agora está impotente perante um inimigo invisível e resigna-se a coexistir com esse inimigo, que o restringirá para sempre ou mesmo lhe tirará a vida. Esta privação, juntamente com a insegurança econômica e de emprego acima referida, pode também ser vista no surgimento de lamentáveis expressões de discriminação social e de negligência dos direitos dos mais vulneráveis.



4 Confinamento e afastamento


Outro aspecto muito relevante que está afetando a nossa vida familiar e social é a realidade, tanto  da quarentena quanto do confinamento e, por outro lado, do distanciamento físico. Ao mesmo tempo que  temos que estar juntos, temos que tentar afastar-nos fisicamente uns dos outros quando estamos fora de casa.  Trata-se, sem dúvida, de uma alteração da nossa forma natural de viver e de nos relacionarmos com os outros.  Esta situação vai durar muito tempo para além da crise atual.  Isto irá mudar radicalmente a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo que nos rodeia.  Esta questão torna-se dramática quando, devido ao isolamento, vemos como as pessoas, especialmente os idosos, doentes e vulneráveis, sofrem de extrema solidão.  É precisamente nestes tempos que é necessário companhia e apoio social para não abandonar aqueles que realmente precisam de mais cuidado, amor e solidariedade.


5 O questionamento de Deus


Também em todo este fenômeno planetário, os críticos de Deus ou de fé fraca emergem com força renovada. E eles perguntam: onde está Deus?  Estará Deus no leme dos acontecimentos da história? Para que serve a fé então?  Neste momento, há um debate infrutífero entre os espiritualistas panteístas que acreditam, que só Deus vencerá miraculosamente a pandemia e, por outro lado, os fatalistas que acusam um Deus ausente, que deixou a humanidade abandonada à sua própria sorte.



Oportunidades e formas de responder aos desafios da crise actual


1 Um tempo para eu refletir, rezar e situar-me concretamente face aos desafios atuais.  


É tempo de me colocar diante de Deus, de reconhecer a minha situação como um ser humano carente e frágil e de pedir a sua companhia, o seu apoio, misericórdia e conforto.


2 Um momento para tomar consciência de quem eu sou e a quem pertenço.  


Precisamos repensar sobre a nossa situação pessoal e avaliar  como vivo individualmente , como é o relacionamento  com os meus entes queridos, sobre quais são as minhas prioridades.  Tenho de mudar as minhas ideias e o meu rumo.  É tempo de rever a minha escala de valores e avaliar o que é importante e ou urgente para mim.  Muitas vezes o stress da vida cotidiana leva-nos em direções indesejadas e perigosas que nos afastam daqueles que mais amamos, do que  me é verdadeiramente  devido e o que é de Deus.  


3 Um tempo para abandonar o individualismo alienante. 


Mais do que nunca, precisamos um do outro. É uma oportunidade de crescer na convicção de que só podemos sair de uma crise como a que estamos  atravessando,  em comunhão, em comunidade, juntos, cada um contribuindo com a sua parte.  Neste ponto, gostaria de salientar alguns elementos importantes para viver em proximidade com outros.  Por exemplo: como é importante poder ouvir o outro e atender às suas necessidades. Ou também aceitar o outro onde quer  que esteja,  com  suas próprias  diferenças. Ou para tentar compreender o outro nos seus medos e ansiedades.  Dar bondade, gentileza e paciência  àqueles que pensam e sentem de forma diferente de mim.  Ou ainda para cuidar amorosamente do outro sem esperar retribuição. Partilhar coisas relevantes com o outro e fazê-lo participar nas coisas que me interessam e que são importantes para mim.  Sem dúvida, este é um momento de dar e receber, de oferecer e de aceitar.


4 Poderíamos resumir que este tempo de crise é uma oportunidade para avançarmos na nossa conversão pessoal e familiar.  


Aqui gostaria de recordar um pouco do nosso Fundador, quando ele pensa no carisma de uma família que se deixa inspirar pela espiritualidade e pedagogia de Schoenstatt.  Em primeiro lugar, o nosso esforço é colocar Deus no centro das nossas vidas.  Quer isto dizer, nada sem Deus.  Nada sem ela, nossa parceira e aliada na Aliança de Amor.  Em segundo lugar, uma família saudável, rica nos seus laços de amor, verdade e justiça.  Por outras palavras, uma família intrinsecamente humana, fundada no amor generoso, paciente e digno.  Em terceiro lugar, uma família missionária que é muito clara sobre o imperativo do Nada Sem Nós da Aliança. É uma família com os seus membros "à saída" com a missão de evangelizar o seu ambiente onde quer que esteja.  Uma família aberta aos desafios da sociedade em que está inserida e vive.  Uma família que conhece e pratica a solidariedade querida por Deus.


5 O apelo a cuidar dos mais pobres e despossuídos com empatia e ajuda concreta. 


Muito tem sido divulgado pelos meios de comunicação social e, nós próprios afirmamos que a pandemia que sofremos nos atinge a todos por igual e não faz qualquer diferença.  O vírus não conhece classes nem ideologias. Sim, é verdade que nos afeta a todos e de alguma forma nos torna iguais, mas os efeitos e as consequências são muito diferentes.   Por exemplo, aqueles que têm  tudo de sobra atravessam a tempestade com menos sacrifícios do que os pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já vivem.


A questão urgente  é saber como chegar aos que mais sofrem e o que faria Cristo ou Maria nesta situação.  Como é que vamos responder?  É verdade que não podemos agora sair  às  ruas para fazer algo inútil.  Mas quando a pandemia passar, qual será a nossa ação concreta?  Ou será que tudo continuará a ser como agora?  Como vamos viver o "Nada sem Ti, Nada sem Nós"?  Esta questão tem de ser respondida com honestidade.


6 Conclusão: O coronavírus será finalmente derrotado pela ciência e pela fé.


Os sinais dos tempos dizem que talvez estejamos perante a possibilidade de um despertar de uma nova consciência planetária, humanitária e ecológica.  Seremos capazes de gerar este milagre de suprema responsabilidade pela criação que é "nossa casa", pensando nas gerações futuras, como ensina o Papa Francisco na sua encíclica "Laudato Si" (2015)?


Por enquanto: Não vamos nos opor a estas duas forças indispensáveis para derrotar o inimigo invisível mas letal. Não. Por um lado, seguiremos todas as indicações das autoridades sanitárias e políticas que querem verdadeiramente salvar vidas e proteger a humanidade.  Apoiaremos todos os esforços da ciência, da tecnologia e do conhecimento humano para derrotar o vírus.  Seremos obedientes.  Por outro lado, vamos, se é o caso, corrigir nossa imagem de Deus e depositar toda a nossa confiança nele e acreditar que o Deus Sábio e Todo Poderoso  está no leme do navio da história.  Rejeitaremos todas as caricaturas "mágicas" de Deus. Abominaremos a existência de um deus volúvel e classista que escolhe quem será salvo e quem será deixado a morrer. Afastemo-nos de uma teocracia primitiva e demos lugar a esse Deus amoroso que, na sua Divina Providência, cuidará de cada um de nós com amor paternal, como  verdadeiros filhos e filhas que somos.


A fé nesse Deus misericordioso e justo dar-nos-á a energia necessária para ultrapassarmos esta crise.  Essa fé que confia no Deus da história, nos dará a inteligência para discernir o que fazer e como agir no tempo que se avizinha.  Esta fé filial tornará possível uma fidelidade comprovada, segura e dupla: fidelidade a Deus e fidelidade ao homem e à criação que o próprio Criador colocou nas nossas mãos.


Acreditamos que esse é um tempo especial para tentar construir um novo Brasil como uma nova terra Mariana.


Pe. Marcelo A.

Assessor Schoenstatt


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